A primeira pergunta que me lembro de fazer à minha mãe foi “porque é que vais trabalhar?”. Eu devia ter uns cinco anos e com certeza precisava de uma explicação para o facto de ela passar tanto tempo longe de mim e eu ter de ficar em casa da madrinha ou da avó. Mas só me lembro da pergunta porque nunca me esqueci da resposta que me deu: “porque quero mudar o mundo”.

Dizia-me que aquilo que fazia era muito importante e que o mundo ficava mais contente e bonito sempre que ia trabalhar. Isso deixava-me contente e ajudava-me a aceitar melhor a ausência dela. Gostava tanto dessa ideia que quando entrei para a escola dizia a toda a gente que a minha mãe era a melhor de todas porque ao contrário das outras a minha andava a mudar o mundo e a torná-lo mais feliz.

Contudo, a certa altura, ainda na escola primária, por eu ter cometido um erro no quadro a professora ralhou-me e eu usei isso como arma de arremesso. Disse-lhe que a minha mãe era melhor do que ela porque andava a mudar o mundo e ela não. Hoje sei que não foi bonito da minha parte, mas eu era uma criança e saiu-me espontaneamente. Pelos vistos isso afetou a professora e para não ficar atrás diante de todos os alunos disse-me que ela sim, mudava o mundo, porque ensinava e educava os seus alunos, enquanto a minha mãe era uma simples cantoneira da junta de freguesia que se limitava a limpar as bermas das estradas.

Foi nesse momento que eu soube aquilo que a minha mãe fazia, pois nunca mo tinha dito com aquelas palavras. Soube-o ali, diante dos meus vinte colegas de turma que me ouviam dizer desde o primeiro dia que a minha mãe andava a mudar o mundo. E quando se aperceberam que, afinal, as coisas não eram bem como eu apregoava, começaram todos a rir-se de mim. Senti-me profundamente constrangido e quando cheguei a casa, na minha inocência e ingenuidade, acusei a minha mãe de me ter mentido. E ela disse-me que independentemente daquilo que fazia, continuaria a dar-me a mesma resposta por mais vezes que ele eu lhe fizesse aquela pergunta.

Agora, 25 anos depois e já com um filho mais ou menos com a idade que eu tinha quando tudo isto aconteceu, vejo-me confrontado com a mesma pergunta que um dia lhe fiz: “porque é que vais trabalhar, pai?” e quando me preparava para lhe responder “porque há contas para pagar”, lembrei-me imediatamente da resposta que a minha mãe me deu. Agora, 25 anos depois, tudo fazia sentido. Não foi por vergonha que não me disse a verdade e muito menos para querer fazer-se mais do que aquilo que era. Foi apenas para que eu crescesse com o exemplo certo da vida. Afinal, as crianças não podem crescer a pensar que vieram ao mundo apenas para trabalhar e pagar contas. Que criança não ficaria desanimada com a vida que a espera depois de receber uma resposta destas? Que orgulho podia ele sentir de mim? Que exemplo teria ele de mim? Por isso dei-lhe a resposta que um dia a minha mãe me deu: “porque quero mudar o mundo e torná-lo um lugar mais feliz.”